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Prémio Dr. Rui Pena - Entrevista | Carla Amado Gomes e Vítor Santos, membros do júri do Prémio Rui Pena

ECO/Advocatus

10/9/2018

Entrevista | Carla Amado Gomes e Vítor Santos, membros do júri do Prémio Rui Pena
Advocatus | 01-09-2018
Prémio 
"O setor da energia atravessa um período de mudanças estruturais que sugerem uma visão de futuro diferente do cenário atual" 
 
A Advocatus entrevista dois dos membros do júri do Prémio Rui Pena: Carla Amado Gomes é Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Vítor Santos é Professor de Política Económica no ISEG, ex-presidente da ERSE. A CMS Rui Pena & Arnaut - em parceria com o ECO/Advocatus - lança o prémio Rui Pena, no ano da morte do sócio fundador, com o intuito de promover a investigação e o estudo na área do direito da Energia. Candidaturas até 21 de setembro. 
 
ADVOCATUS 
 
 
 
- O prémio Dr. Rui Pena pretende destacar a investigação na área do Direito da Energia. Como avalia o quadro regulatório nacional nos diferentes setores energéticos? 
 
Carla Amado Gomes (CAG): O quadro regulatório dos sectores energético, da eficiência energética e do gás natural é atualmente um quadro harmonizado em razão da integração de Portugal na União Europeia. Observa os princípios europeus da liberalização e da verticalidade e entrega à ERSE as tarefas de protecção dos consumidores, de cumprimento de obrigações de serviço público pelos operadores e de salvaguarda da leal concorrência. Julgo que se trata de um quadro equilibrado, malgrado o alto preço da eletricidade praticado no mercado regulado, questão que está inquinada pelo problema do "défice tarifário", cuja resolução, dado o volume dos montantes envolvidos, não estará para breve. No plano da eficiência energética, o facto de não existir um mercado a regular e a flexibilidade das soluções estabelecidas nas directivas tem deixado porventura demasiada margem de liberdade de concretização dos objectivos de incremento dos objectivos fixados ao nível da União Europeia. 
 
Vítor Manuel dos Santos (VMS): O início da regulação independente no setor da energia em Portugal data de fevereiro de 1997, com a publicação dos estatutos da ERSE, já prevista na legislação básica do setor elétrico de 1995 e na primeira dire-tiva europeia do mercado interno de eletricidade (1996). A regulação surgiu com o início da reprivatização das empresas de eletricidade e com a liberalização do mercado, assumindo o regulador um papel imparcial e independente face aos agentes e operadores do setor, e ao próprio Estado, à época, acionista maioritário nas empresas de energia. À ERSE coube a definição da regulação económica dos operadores e do fornecedor incumbente tendo por finalidade a satisfação das necessidades e proteção dos consumidores de energia elétrica e o equilíbrio económico-financeiro das empresas reguladas em condições de gestão eficiente. Ao longo dos 20 anos de regulação de energia em Portugal, o papel da regulação tem vindo a ganhar novos contornos e a desenrolar-se num contexto de mudança. Logo nos primeiros anos, a regulação da energia estendeu-se às regiões autónomas dos Açores e Madeira e ao setor do gás natural. Depois, assistiu à reorganização do setor no sentido da desverticalização (separação do fornecimento face à operação das redes) e à liberalização do retalho, com o aparecimento de novos atores na comercialização de energia aos clientes finais. No setor elétrico, em 2007, concretizou-se o projeto do mercado ibérico de eletricidade - MIBEL - e um ano antes foi garantido o direito de escolha de fornecedor a todos os consumidores em Portugal continental. Em 2010, esse direito de escolha foi concretizado para os consumidores de gás natural e já em 2015 foram lançadas as bases do mercado ibérico de gás natural. 
 
- Em que áreas do Direito da Energia/ regulação considera que há trabalho a desenvolver? 
 
CAG: Sem embargo de outros pontos, destacaria duas áreas; de um lado, um dos grandes desafios que se coloca, sobretudo na sequência da publicação das propostas da Comissão Europeia de alteração das directivas do sector energético (o Pacote Energia Limpa para todos os Europeus), é o da produção descentralizada e da consequente alteração do estatuto do consumidor para prosumidor. De outro lado, a questão da inovação tecnológica no domínio do Direito da Energia. 
 
VMS: Estamos perante uma mudança de paradigma no setor energético muito marcado pela produção descentralizada de base renovável a custos eficientes, pela emergência das redes e da contagem inteligente, pela participação de novos agentes, a oferta de novos serviços em que o consumidor deixa de assumir um papel passivo para ser um protagonista central e pro-ativo no sector energético.Esta mudança de paradigma tecnológico e organizacional suscita novos desafios ao Direito da Energia e à Regulação. 
 
- E em que áreas, em concreto, é que Portugal pode ser considerado um case study? 
 
CAG: Por boas e más razões, que se conhece, no plano do incentivo ao sector das renováveis, sobretudo no domínio da energia eólica, julgo que o enquadramento da produção de energia renovável pode ser considerado como tal. 
 
VMS: O processo de liberalização, a reestruturação do sector elétrico e do gás natural, a regulação e o desenvolvimento das renováveis têm boa imagem internacional e, sob diferentes pontos de vista, são consideradas boas práticas. 
 
- Ao nível da regulação energética, onde é que Portugal avançou mais e menos do que as restantes jurisdições europeias? 
 
CAG: Onde se terá avançado, não mais mas primeiro, terá sido na regulação da produção especial, de energia renovável. O diploma de 1988 (DL 189/88) é pioneiro na matéria, embora porventura não tenha sido esse o seu objectivo principal mas sim o reforço do estatuto do "autoprodutor". No mais, não consigo identificar nenhum domínio em que Portugal se destaque na conformação do enquadramento regulatório o qual, de resto, é reflexo da política energética europeia. Onde se estará aquém do desejável, embora os progressos não dependam só do esforço português, é no plano da integração do mercado português/ibérico no mercado europeu de energia, em razão da incipiente consolidação do MIBEL e da falta de penetração expressiva da energia gerada na Pensínsula Ibérica nas redes europeias devido às insuficientes ligações. 
 
VMS: A criação de um quadro institucional que propicia o reforço da cooperação entre os reguladores europeus tem conduzido a uma harmonização crescente dos quadros regulatórios e regulamentares no contexto da consolidação da União Energética. Mesmo assim, Portugal distinguiu-se por ter sido um dos primeiros países europeus a criar um regulador independente, pelo sucesso da cooperação com Espanha no desenvolvimento de um dos primeiros mercados regionais de energia (o MIBEL), na celeridade com que conduziu a reforma conducente à separação de atividades e à independência do operador da rede de transporte (na eletricidade e gás natural). 
 
- Num exercício de futurologia, como é que vê o setor energético daqui a 20 anos, quer no que diz respeito ao investimento, quer em relação à proteção dos consumidores? 
 
CAG: Com algum optimismo, e apesar das notícias recentes de desinvestimento no sector das renováveis, espero que o investimento aumente, sobretudo nos campos com potencial para crescer, como o solar e os veículos eléctricos. Também a eficiência energética deve merecer toda a atenção no plano do investimento em inovação tecnológica, pois trata-se de um objectivo fulcral para a descarbonização e combate à pobreza energética. No plano da protecção dos consumidores, o desafio está em perceber a dimensão da mudança de paradigma de produção e consumo e assegurar ao consumidor a capacidade efectiva de produzir energia e de vender excedentes à rede, quer individualmente quer em associação, eliminando obstáculos jurídicos e técnicos. 
 
VMS: O setor da energia atravessa um período de mudanças estruturais que sugerem uma visão de futuro bastante diferente do cenário atual, quer para os operadores e agentes do setor, quer para os consumidores. A inovação tecnológica ao nível da produção de energia elétrica aponta para uma redução significativa da escala económica dos projetos, viabilizando a produção local de energia a partir de fontes renováveis como a energia fotovoltaica ou eólica. As redes de energia incorporam cada vez mais inovação (redes inteligentes), sendo mais automatizadas, permitindo melhores níveis de qualidade de serviço, a participação de novos agentes, a oferta de novos serviços e a emergência de novos modelos de negócio. A inovação afeta também a forma de consumir energia. São exemplos os novos usos de energia elétrica e de gás natural em desenvolvimento na área da mobilidade de pessoas e mercadorias ou os sistemas inteligentes de monitorização de consumos e de produção, com gestão integrada de recursos de energia. 
 
- O setor energético é um dos setores que mais interesse tem despertado nos investidores estrangeiros e é, simultaneamente, um dos mais regulados. Os advogados recém licenciados estão preparados? 
 
CAG: Julgo que a ausência de disciplinas específicas de Direito da Energia nas Faculdades de Direito, no plano da licenciatura, deve ser contrariada - sem embargo da dificuldade de abordagem unitária dos problemas por uma só disciplina, dadas as diversas dimensões jurídicas (de direito privado, público, ambiental, económico) envolvidas. A multiplicação de cursos de Pós Graduação tem ajudado os interessados na especialização, mas no plano dos mestrados especificamente voltados para o Direito da Energia, a oferta nacional é, tanto quanto sei, inexistente. É um défice que urge colmatar, porque se trata de um domínio complexo e com uma importância prática absolutamente estratégica. 
 
VMS: As novas gerações revelam, em média, uma preparação excelente nas diferentes áreas científicas que são relevantes para a atividade regulatória. No caso concreto do direito, diversas faculdades têm vindo a oferecer cursos de mestrado ou de pós-graduação em Direito e Regulação da Energia, contribuindo assim para uma formação adequada dos jovens advogados. Para além disso, existem atualmente várias universidades europeias e americanas que oferecem programas muito interessantes nas áreas da energia e da regulação. 
 
- Gostaria que deixasse algumas palavras sobre o papel do Dr. Rui Pena no Direito da Energia. 
 
CAG: O Dr. Rui Pena era um profissional singularmente competente, que tinha a notável particularidade de ser igualmente excelente no Direito Público e no Direito Privado. Foi esta natureza "juridicamente ambidestra" que lhe permitiu cultivar tão notavelmente o Direito da Energia, encontrando soluções para casos difíceis, como poucos conseguem fazer. Espero que este prémio consiga revelar talentos similares. 
 
VMS: O Dr. Rui Pena foi um senador da advocacia e uma figura pública de grande relevo em que destacaria o exercício dos cargos de Ministro da Defesa Nacional, Ministro da Reforma Administrativo e Presidente do Grupo Parlamentar do CDS. Apesar de nunca ter exercido funções públicas no setor energético, os seus contributos no aconselhamento estratégico de vários governos tiveram uma enorme relevância nos desenvolvimento legislativos que permitiram concretizar o processo de liberalização dos setores elétrico, do gás natural e dos combustíveis líquidos. Como advogado fez Escola sendo reconhecido por todos que alguns dos juristas mais reputados atualmente no direito da energia tiveram oportunidade de trabalhar com ele em determinada fase da sua carreira. Teve ainda muito mérito na formação das novas gerações de advogados através das suas atividades docentes em várias instituições de ensino e formação. 
 
- Qual a importância deste prémio do ponto de vista académico? 
 
VMS: Nos próximos anos, as mutações organizacionais e as estratégias empresariais neste sector vão estar cada vez mais centradas na procura e nos consumidores-produtores que deixarão de ser meros pontos de consumo passivos a jusante da cadeia de valor e passarão a ser protagonistas centrais do processo de liberalização. É neste quadro multidimensional, mais exigente e também por isso mais desafiante, que se reconhece a importância do papel das atividades académicas e de investigação no domínio do Direito da Energia. O Prémio Rui Pena visa incentivar o envolvimento e a participação de estudantes dos diferentes graus de ensino superior.

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Retrato deMónica Carneiro Pacheco
Mónica Carneiro Pacheco
Sócia
Lisbon