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Entrevista Jornal de Negócios | Joaquim Shearman de Macedo, Sócio da CMS-RPA

Brexit: "Portugal deve apoiar posição negocial britânica"

30/04/2017

JOAQUIM SHEARMAN DE MACEDO SÓCIO DA CMS-RPA 
Brexit: "Portugal deve apoiar posição negocial britânica" 
 
Joaquim Shearman de Macedo diz que o Brexit prejudicará Portugal, se o Reino Unido, um dos principais parceiros, não tiver acesso ao espaço económico europeu. Por isso, o sócio da CMS-RPA defende que o país deve "apoiar a posição negocial britânica". 
 
JOÃO MALTEZ 
jmaltez@negocios.pt 
 
A área dos seguros e fundos de pensões, em que o advogado Joaquim Shearman de Macedo é especialista, tem no Reino Unido a principal praça a nível mundial. Com o Brexit; o acesso das seguradoras britânicas ao espaço económico europeu poderá ficar comprometido, originando deslocalizações. Para Shearman de Macedo, Portugal dificilmente será opção aos países da Europa do Norte. Pior,pode ser penalizado com o não acesso dos britânicos ao mercado único. Por isso, o sócio da CMS-RPA defende que "Portugal tem a ganhar se apoiar a posição negocial britânica". 
 
- Que importância tem o espaço económico europeu para o sector financeiro britânico, em particular a área que tem trabalhado enquanto advogado, a dos seguros e fundos de investimento? 
 
Estamos a falar de uma indústria que move milhões e milhões de euros e que emprega dezenas de milhares de pessoas em Inglaterra. Para as seguradoras inglesas de grande especialidade, o acesso ao mercado europeu é muito importante. Actualmente, ao abrigo do regime do passaporte comunitário, os seguras emitidos em Londres podem cobrir riscos em Portugal e nas restantes jurisdições do espaço económico europeu. 
 
- Em que condições é possível às seguradoras fazerem cobertura de riscos num Estado-membro da União Europeia (UE)? 
 
Só é possível se a companhia estiver autorizada e registada na autoridade local de supervisão - no caso português Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) - ou se estiver legalmente habilitada a tal num dos Estados-membros da União Europeia. 
 
- Sem o passaporte comunitário, as seguradoras britânicas podem continuara vender seguros no espaço da UE? 
 
Sim, podem, têm é de registar-se em Portugal ou num outro país da União Europeia Cá, têm de registar-se na Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e têm de ter um mínimo de capital suporte depositado no país para fazer face aos riscos cobertos. Se a Inglaterra deixar de fazer parte do espaço europeu, as companhias deixam de poder contar com o seu empreendimento de origem e têm de constituir outro para poderem vender seguros. 
 
- Com o Brexit, Portugal terá condições para tentar atrair alguma(s) dessas empresas? 
 
Nós somos periféricos. Não somos tipicamente a primeira escolha para deslocalização. Não oferecemos condições de eficiência fiscal como outros países que fazem parte da União Europeia. Estou a lembrar-me, por exemplo,da Irlanda ou da Holanda. Acho aliás que o Brexit será negativo para nós. Temos uma grande ligação a Inglaterra. E a nossa mais antiga aliança O facto de futuramente poderem vir a ser introduzidas algumas barreiras não será bom para nós. 
 
- O facto de sermos periféricos não vai ser benéfico para nós. No sector financeiro, que países poderão beneficiar com o Brexit? 
 
Há muita especulação sobre qual vai ser a praça financeira que vai ganhar mais com o Brexit. Consoante a área, fala-se em Frankfurt; fala-se em Paris... Pode haver alguma movimentação no sector bancário e financeiro, que é um sector com mais de presença física No sector segurador vai também existir alguma movimentação, mas na minha perspectiva não terá a mesma importância. 
 
- O Governo anunciou recentemente o propósito de criar uma unidade de missão para eventualmente tentar atrair algumas empresas. Terá sucesso? 
 
Nos sectores mais importantes penso que a questão da centralidade europeia será decisiva. Para empresas mais pequenas, admito que em Portugal possa haver algum factor de atractividade. No global, penso que o Brexit será negativo. Teremos todos a ganhar se for permitido que o Reino Unido mantenha algumas condições de acesso ao espaço económico europeu. A situação não deve ser aproveitada como uma oportunidade para nos vingarmos ou para a Europa Central se vingar da decisão de saída do Reino Unido da União Europeia. Tanto quanto possível, deve poder manter-se o ambiente de comércio livre. 
 
- O que deverá Portugal salvaguardar numa futura negociação bilateral? 
 
Portugal tem a ganhar se apoiar aposição negocial britânica. Será benéfico para nós apoiarmos uma negociação que atribua aos ingleses condições de mercado que nos interessem. E favorável para nós que, pelo menos, continuem ater acesso ao livre comércio de bens e serviços. E um mito dizer que se lhes banirmos o livre acesso ao comércio de bens e serviços eles vêm instalar-se em Portugal. Acho que não, acho que vão instalar-se noutro sítio. 
 
- Qual seria a solução mais interessante para nós? 
 
Mais interessante seria uma solução que permitisse ao Reino Unido manter-se no Espaço Económico Europeu. Uma solução que lhes imponha restrições vai introduzir dificuldades junto de um parceiro comercial que, para nós, é grande e que na balança das importações/exportações está do lado certo - importa mais do que exporta para cá. 
 
- A CMS tem promovido várias acções sobre que implicações jurídicas podem resultar do Brexit para a actividade económica. Quais são as principais preocupações manifestadas pelos clientes? 
 
Temos prestado aconselhamento jurídico a seguradores, bem como a outros prestadores de serviços do Reino Unido, sobre quais são as suas hipóteses legais de funcionamento em vários cenários pós-Brexit. No caso do sector segurador, as preocupações são essencialmente sobre como podem assegurar riscos em Portugal. Querem também saber se, perdendo o direito ao passaporte comunitário, podem segurar riscos directamente no nosso país e, se sim, em que condições.  
 
 
A seguradora, o mediador, a sua mãe e uma burla 
 
Um recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a condenação de uma seguradora, num caso de burla a um conjunto de clientes, que foram lesados em 360 mil euros. Os autores e beneficiários do esquema fraudulento terão sido um "mediador" e a mãe deste. Esta decisão do tribunal superior português esteve em análise num encontro destinado a empresas-clientes, promovido em Londres, no final da última semana, pela sociedade de advogados CMS, e em que marcou presença Joaquim Shearman de Macedo, sócio da CMS-Rui Pena&Arnaut. 
 
"Esta decisão do Supremo, relativa a um caso de representação aparente, é especialmente importante para as seguradoras internacionais que não têm presença muito forte em Portugal", explica Joaquim Shearman de Macedo, justificando deste modo o facto de ter levado o tema ao encontro realizado em Londres. O acórdão em causa data de 26 Janeiro de 2017 e debruça-se sobre as consequências de existir um contrato celebrado entre um segurado e um mediador, sem que a companhia seguradora tenha dado a este último poderes para o celebrar. 
 
Caso remonta a 2008 
 
O diferendo agora alvo de acórdão remonta a 2008 e envolve uma seguradora cativa - detida por um banco - que tinha apólices de seguros de capitalização que vendia através do mediador. A determinada altura, a mãe deste último, que trabalhava como gerente de conta no banco proprietário da seguradora, aconselhou os segurados a levantarem as suas apólices de capitalização para concentrarem o montante, 360 mil euros, numa única apólice que tinha um juro mais atraente. O dinheiro não entraria nos cofres da seguradora Terá alegadamente ficado na posse da mãe do mediador. 
 
A situação chegou aos tribunais depois de os lesados terem tentado reaver o dinheiro que lhes pertencia e a companhia foi condenada. Recorreu e o processo acabou por chegar ao STJ, onde um colectivo de juízes brigou a seguradora a pagar aos lesados. Joaquim Shearman de Macedo explica o porquê da decisão do tribunal. "Em determinadas circunstâncias, por uma questão de boa-fé, a lei protege o segurado que tenha confiado num intermediário que, de forma aparente, represente o segurador. Desde que a seguradora tenha contribuído para a criação dessa confiança aparente, a lei diz que se considera válido o contrato de seguros". Estas circunstâncias foram dadas como provadas. Daí a decisão do Supremo, cujo acórdão de 26 de Janeiro de 2017 servirá de referência a futuros casos.

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