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Decisão - Arbitragem Internacional - Incumprimento de obrigações constantes no Tratado da Carta de Energia

19/05/2017

Decisão - Arbitragem Internacional | Incumprimento de obrigações constantes no Tratado da Carta de Energia | Reino de Espanha vs. Eiser Infrastructure Limited e Energia Solar Luxemburg, S.à.r.l v

 

No passado dia 4 de Maio de 2017, foi tornada pública a decisão proferida no âmbito de um processo de arbitragem internacional no âmbito do ICSIDE - International Centre for Settlement of Investment Disputes (processo CIADI no. ARB/13/36) que opunha o Reino de Espanha (demandada) e as sociedades Eiser Infrastructure Limited e EnergiaSolar Luxemburg, S.à.r.l v. (demandantes) e que determinou a condenação do demandada ao pagamento de uma indemnização no montante global de 128 milhões de euros (a que acresce juros) por violação das disposições do Tratado da Carta de Energia (TCE).

A decisão (disponível apenas em versão espanhola) pode ser consultada aqui.

Enquadramento

No período antecedente a 2007, as demandantes (sociedades britânica e luxemburguesa) procederam ao investimento de cerca de 640 milhões de euros no desenvolvimento de 3 parques solares em Espanha. Tais investimentos foram realizados ao abrigo do regime regulatório então vigente (entre outros diplomas, o Real Decreto n.º 661/2007), que entre outras condições, previa um conjunto de subsídios/remuneração garantida aos respetivos produtores.

Atento o elevado deficit tarifário e a crise financeira que se agudizou no período subsequente a 2008, o Governo Espanhol optou por introduzir diversas modificações ao regime jurídico em vigor, tendo em consequência aprovado diversos diplomas no período 2012-2014. Em concreto, introduziu um novo imposto sobre a produção de energia tendo ainda alterado as regras e o método de determinação da remuneração garantida (que passou a assentar em investimentos hipotéticos em prol de investimentos reais). Tais alterações visaram a redução dos subsídios previstos no diploma acima referido aprovado em 2007, com claro impacto nos investimentos realizados pelos promotores.

Em virtude de tais alterações legislativas, e ao abrigo de diversas disposições do Tratado da Carta de Energia, as demandantes suscitaram a referida arbitragem internacional. Em concreto alegaram que no período entre 2012-2014, o Governo Espanhol adotou uma serie de medidas que alteraram de maneira drástica o regime regulatório que culminaram com a revogação do diploma previsto no Real Decreto n.º 661/2007 e a sua substituição por um regime completamente diferente e arbitrário. Tais medidas, sustentam, frustraram os investimentos realizados, pelo que consideram que o Reino de Espanha violou diversas obrigações constantes do TCE, entre os quais a obrigação de proteção e tratamento de investimentos realizados (artigo 10º n.º2 do TCE).

Decisão

Tendo em consideração a "radicalidade" das medidas introduzidas pelo Governo Espanhol, o Tribunal Arbitral considerou que as mesmas violaram ostensivamente a obrigação de proteção e tratamento de investimentos realizados constantes do TCE, tendo em consequência condenado o Reino de Espanha, ao pagamento aos demandantes de uma indemnização no montante de 128 milhões de euros a que acrescem juros.

Comentário

A decisão em referência - amplamente noticiada pela comunicação social espanhola - é de uma enorme importância para Espanha, uma vez se trata, tanto quanto pudemos apurar, da primeira decisão arbitral desfavorável ao Governo Espanhol relativa às alterações legislativas introduzidas no setor energético no período de 2012-2014. A decisão assumida poderá condicionar ou influenciar o desfecho de cerca de 30 outros processos arbitrais ainda em curso sobre a mesma temática.

Entre outros argumentos e posições manifestadas na decisão é de realçar a posição do Tribunal Arbitral que, considerando, do ponto vista formal, legítimas as alterações legislativas introduzidas pelo Governo Espanhol, não deixou de atentar ao impacto material das mesmas e à sua concreta amplitude/radicalidade. A este respeito afirma perentoriamente a referida decisão que a obrigação de estabilidade nos investimentos realizados constante no TCE "não quer dizer que os regimes regulatórios não possam evoluir" mas que tais evoluções "não podem alterar radicalmente de maneira que se prive os investimentos que se realizaram sustentados nesses regimes" (tradução da parte final do ponto 382, pág. 133).

A presente decisão poderá relevar-se um importante case-study para a situação portuguesa, designadamente para as alterações legislativas introduzidas ou a introduzir no setor da energia. Recorde-se que, em virtude da ratificação realizada em 1996 (Resolução da Assembleia da República n.º 36/96 de 15 de Novembro), Portugal encontra-se igualmente vinculado às obrigações constantes no TCE.

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