JOÃO PAULO GOMES
Advogado, CMS RPA
Há que saudar a boa nova que, certamente, terá um impacto positivo nas exportações da Madeira. O Governo Regional cumpriu a promessa eleitoral de dotar a Região Autónoma da Madeira (RAM) de um serviço de ferry para transporte de passageiros e carga rodada entre a RAM e Portugal Continental, assim como o início da operação com o avião cargueiro. Sempre que são criadas alternativas de mobilidade, dá-se um passo em frente no maior obstáculo ao desenvolvimento da Madeira: a sua insularidade. As empresas reduzem custos, abrem-se novos mercados, fomenta-se a concorrência.
No que concerne ao transporte de passageiros, com o ferry abre-se uma outra alternativa: viajar entre a Madeira e o Continente por cerca de 25€, sendo possível levar a respetiva viatura. É de registar e saudar a abertura de novas alternativas, sem prejuízo de reconhecer as limitações do transporte marítimo, nomeadamente o facto de a ligação não ser feita a Lisboa ou ao Porto, mas sim a Portimão, e o facto de a viagem demorar cerca de 22 horas, o que torna esta opção inviável para viagens de negócios e para o turismo internacional convencional.
Em suma, mais do que criarmos opções, há que tirar o pulso às que existem e olhar para estas matérias com um único critério: pragmatismo. Olhemos então para o que temos hoje, nomeadamente no que diz respeito ao transporte aéreo de passageiros. A rota aérea entre Portugal Continental e a RAM foi liberalizada em abril de 2008. Nessa altura, eliminou-se a imposição de obrigações de serviço público e o correspondente pagamento de subsídios/indemnizações compensatórias diretamente às companhias aéreas.
O desígnio era tão salutar como aquele que está na base desta nova ligação marítima: facilitar as ligações entre a Madeira e o Continente com tarifas acessíveis a todos os passageiros, através da promoção da concorrência. Assim, com a liberalização, permitiu-se que qualquer companhia aérea pudesse voar para a Madeira - abrindo a rota às companhias low cost - e os subsídios passaram a ser pagos diretamente aos passageiros. Ora, quase dez anos após a liberalização da rota aérea - e não obstante o recente modelo de subsidiação -, que me parece um passo em frente ao anterior, é preciso perguntar: cumprimos o tal desígnio? A resposta é não. Uma viagem Funchal/Lisboa/Funchal pode chegar a custar 700 euros, ao mesmo tempo que viagens Lisboa/Funchal/Lisboa custam bem abaixo disso. É inaceitável!
Não se pode permitir que a companhia de bandeira nacional e as demais low cost cobrem mais aos passageiros por uma viagem doméstica, ainda que para uma ilha, do que entre cidades europeias, caindo-se no absurdo de chegar a ser mais barato voar de Lisboa para Nova Iorque do que para a Madeira. E necessário encontrar um modelo alternativo, que permita assegurar o princípio da continuidade territorial, permitindo que as tarifas para a Madeira sejam comportáveis, consistentes e fiáveis ao longo do ano, sendo que a qualidade da solução é medida pela acessibilidade efetiva à RAM. Olhando para o espectro da solução, é importante admitir que, neste aspeto, o ideal previsto pela liberalização falhou. Entraram novos operadores low cost, mas o modelo foi desvirtuado pela subsidiação, na medida em que nenhum operador a operar nesta rota aérea pratica tarifas low cost, afinando todos pelo diapasão de tarifas verdadeiramente exorbitantes, todas elas regularmente entre os 250 e os 700 euros.
Como resolver? Parece-me que existem duas formas: (1) introduzir (novamente) obrigações de serviço público, mais flexíveis e alargadas a todos os operadores que pretendam entrar na rota, mas introduzindo um aspeto muito importante que não se encontra disponível numa rota liberalizada: a possibilidade de se limitar (criando um"cap") as tarifas máximas aplicáveis; ou (2) introduzindo ou criando condições para o aparecimento de novos players/companhias aéreas verdadeiramente disruptivas do mercado, que pratiquem consistentemente tarifas muito mais baixas do que o nível atual, de modo a forçar os demais operadores a seguir o mesmo nível de tarifas, sob pena de se encontrarem fora do mercado. O sonho de ver cumprido o princípio da continuidade territorial é um trabalho em curso que não pode nem deve morrer.
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