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O registo predial como incentivo ao investimento imobiliário - virtudes e deficiências práticas nos países lusófonos

Vida Judiciária

29/05/2017

O registo predial como incentivo ao investimento imobiliário - virtudes e deficiências práticas nos países lusófonos
Vida Judiciária | 5/1/2017
  O registo predial como incentivo ao investimento imobiliário - virtudes e deficiências práticas nos países lusófonos  
 
Luis Abreu Coutinho, Sócio, Advogado, CMS Rui Pena & Arnaut  
 
Refletir sob o registo predial impõe, em primeiro lugar, ter presente que o mesmo se traduz no conjunto de normas que visam regular o processo em que o mesmo se desenrola, com vista a garantir a publicidade dos direitos que incidem sobre bens imóveis abrangidos pelo comércio jurídico e dessa forma imprimir a segurança jurídica indispensável aos negócios que os afecta. Significa isto que, sem ele e a publicidade que promove, a segurança jurídica não existe ou existe muito precariamente. Foi fundamentalmente com o vencimento das ideias liberais, no século XIX, assente na ideia de que os imóveis devem pertencer a quem deles queira e saiba tirar melhor proveito, para benefício também social, que o comércio jurídico imobiliário teve uma verdadeira época de explosão.  
 
Não é assim coincidência que no ano em que foram abolidos os morgadios, 1863, tenha sido publicada a 1ª Lei Hipotecária, a qual devemos ter como o primeiro diploma que cria e sistematiza verdadeiramente as regras de registo predial. Embora a finalidade inicial deste diploma fosse limitada à publicitação da garantia real hipotecária, é já nele que assenta a base real do nosso sistema, ou seja, na descrição do prédio, com referência ao qual e de acordo com a evolução do sistema, serão registados os factos que afetam os direitos que sobre ele incidem. Neste diploma são já consagrados os princípios da publicidade, da prioridade e o da especialidade. Tem especial relevância para a conclusão que a final faremos, a consagração deste último princípio, na medida em que desde cedo obrigou à identificação e certeza do prédio descrito.  
 
É com o Código de Seabra que o registo se torna abrangente em relação a outros atos determinantes na situação jurídica do prédio. Após a criação das Conservatórias do Registo Predial, em 1869, é publicado, em 28.04.1870, o Regulamento que estabelece a presunção inerente à fé pública, nos termos da qual o prédio pertence ao titular inscrito no registo predial. Em 1929, precedendo a reforma da contribuição predial de 1933, entra em vigor um novo código que irá perdurar até 1959. Outras remodelações pontuais do sistema tinham sido e foram sendo realizadas, até chegarmos ao atual Código do Registo Predial, publicado com o Decreto-Lei n° 224/84, de 6 de Julho, o qual sofreu diversas alterações e sujeitou-se à reforma de 2008.  
 
Mercê da consagração dos princípios, (i) da instância, (ii) prioridade, (iii) da fé pública registral, (iv) da legalidade, (v) do trato sucessivo, (vi) da legitimação, (vii) da especialidade, (viii) da publicidade, (xix) da inscrição, entre outros, podemos afirmar que, em termos teóricos e legais, o registo predial em Portugal, caracterizado pela sua base real, declarativa, causal, de proteção parcial, na consagração da presunção ilidível de que o direito pertence ao titular inscrito, é um sistema moderno, doutrinariamente avançado, e que na sua interligação com o direito civil vai ao encontro da segurança jurídica necessária ao desenvolvimento do comércio jurídico imobiliário nas suas várias vertentes económicas.  
 
Na prática, o que aconteceu? Após anos de relativa acalmia nas Conservatórias, centros de encontro para troca de ideias entre conservadores prestigiados e advogados afamados, muitos de nós se lembram que, até à reforma de 2008, utilizar os serviços de registo predial era um pesadelo em termos burocráticos, de tempo e de custos, embora estes tivessem sido alterados anteriormente por imposição europeia. Imagine-se o que seria, perante o surto de investimento nacional e estrangeiro que nos beneficia nestes dias de crise económica, ter um serviço de registo predial como o que existia há cerca de 10 anos atrás... O que mudou então em Portugal, que nos permite ter hoje a perceção de que na prática o registo predial funciona e cumpre basicamente os fins a que se destina?  
 
Para respondermos a isso, temos que referir o que se passou de mais relevante no seu funcionamento e que tanto tem contribuído para que o registo predial se tenha tornado num dos mais eficientes serviços públicos portugueses:  
 
- Informatizaram-se os serviços, com a sua consequente utilização da via online;  
- Acabou-se com a competência territorial das Conservatórias;  
- Informatizaram-se as matrizes prediais e exigiu-se na prática o cumprimento do princípio da legitimação no pagamento do atual IMT;  
- Criou-se, para além do balcão único "Casa Pronta", o organismo "Soluções Integradas de Registo" (SIR) -para satisfazer essencialmente projetos que envolvem a multidisciplinariedade de operações societárias e a elaboração de registos em "massa";  
- O registo predial passou a ser obrigatório, embora sem condição de eficácia do ato.  
 
Estas alterações, que por si só revolucionaram a prática do registo predial em Portugal, tornaram o sistema eficiente, descaracterizando-o como um empecilho na realização dos negócios imobiliários. Tinham-se como irrealizáveis pela esmagadora maioria dos seus responsáveis, mas, mercê da determinação política que as exigiu, o arrojo e a criatividade de quem liderou esta autêntica reforma de meios e regras praticas e a dedicação inexcedível dos respetivos serviços, essas alterações vingaram! Mas os resultados conseguidos tudo resolveram e realizaram na sua plenitude os fins do registo predial promovendo a sua inabalável segurança jurídica?  
 
Não nos parece! E não nos parece porque um país sem cadastro geométrico que constitua uma base real do registo predial é incapáz de conseguir esse efeito. Entendemos que é chegada a hora de centrar as nossas preocupações na necessidade de realização de um cadastro geométrico nacional que satisfaça entre os vários fins a que se destina, o do registo predial. No fundo, o que resta conseguir é levar às últimas consequências a aplicação prática do referido princípio da especialidade no que à certeza e completa identificação do prédio respeita.  
 
A lacuna criada pela inexistência do cadastro geométrico que abranja todo o país, bem como o bom funcionamento, que não existe, nas zonas onde o mesmo vigora, é o calcanhar de Aquiles do nosso sistema jurídico imobiliário. Tem sido profusa a legislação do poder político nas últimas décadas sobre a matéria, o que demonstra a necessidade e a vontade de o realizar. Não faltam estudos e competentes reflexões sobre a matéria. A existência de cadastros múltiplos parcelares por parte de diversas entidades públicas e privadas é muita. Contudo, é muita, também, a incapacidade de na prática ser concretizada uma solução a nível nacional.  
 
Não se diga que se trata de um projeto incomportável em termos financeiros, pois para isso até têm existido fundos internacionais. É fácil também encarar o cadastro geométrico como uma fonte de receita que justifique o retorno do respetivo investimento para benefício de todos nós. Na sua ausência, vamo-nos "desenrascando". Nos tribunais, com a falta de fé pública do registo no que à identificação do prédio respeita; num ato de compra e venda, com calvário da identificação dos preferentes confinantes; na resolução dos problemas que o cadastro disciplinaria, relativos às áreas que a falta de conformidade entre a matriz a descrição oferece e a construção ilícita provoca, com a morosidade e o dispendio que acarreta, etc., etc..  
 
Não nos conformemos, pois, com as virtudes de um sistema de registo predial que deixou de ser um "empecilho", para concluirmos que nada mais há a fazer e que temos um sistema perfeito. O que podemos dizer é que nos últimos anos os avanços foram espetaculares e que já andamos lá perto. Resulta da análise histórica do nosso sistema que foi nas alturas em que o comércio jurídico imobiliário mais se desenvolveu, ou em que as necessidades de tributação patrimonial mais prementes se tornaram, que o registo predial teve os seus maiores impulsos. É legítimo concluir também que as inovações últimas que transformaram a nossa visão do sistema registral não incidiram sobre os aspetos jurídicos do sistema, incidiram essencialmente sobre o modo e o processo da sua realização. Se a nossa experiência recente e a nossa situação atual pode ser útil para as outras ordens jurídicas lusófonas, herdeiras como nós dos elementos histórico com que iniciámos esta reflexão, é no que na prática destes sistemas pode mais facilmente ser feito atendendo a que as explosões demográficas e a resposta em massa a necessidades económicas ainda estão por acontecer.  
 
Isto, se a vontade real dos Governos for no sentido de captar investimento imobiliário, seja esse investimento nacional e/ou estrangeiro, saciando simultaneamente instituições financeiras e as classes médias efervescentes, ávidas das suas próprias habitações, que necessitarão de um registo predial seguro e que funcione. A imagem dos países lusófonos neste domínio resultará da forma como cada um terá organizado o seu património territorial, público e/ou privado, o que denunciará os seus objetivos ao nível do comércio jurídico imobiliário e os seus objetivos políticos e económicos em geral. Para todos eles entendemos que as palavras de ordem não podem deixar de ser a de que iniciem ou prossigam com a informatização dos seus serviços e o cadastro do seu património.

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