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Meet the Law | Novo regime excecional e temporário em matéria de contratos de seguro

Decreto-Lei n.º 20-F/2020, de 12 Maio

No dia 13 de maio de 2020, entrou em vigor um novo regime excecional e temporário que estabelece medidas de flexibilização no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de seguro, designadamente moratórias, reduções e fracionamento dos prémios de seguro em consequência da diminuição temporária dos riscos seguros decorrente do abrandamento significativo ou mesmo suspensão de atividade dos segurados por força das medidas excecionais adotadas no combate à pandemia causada pelo vírus "COVID-19".

O regime aprovado é temporário e manter-se-á em vigor até 30 de setembro de 2020.

O mencionado regime vai de encontro à Carta-Circular n.º 2/2020, de 30 de março emitida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões ("ASF"), que contém um conjunto de medidas de flexibilização e recomendações no âmbito da situação excecional relacionada com o surto pandémico coronavírus "COVID-19", que apelava à flexibilidade da parte das seguradoras no tratamento das situações que lhes forem expostas pelos seus clientes, procurando ir ao encontro das necessidades dos clientes, tendo em atenção que as circunstâncias atuais podem importar atrasos nos pagamentos dos prémios por parte dos tomadores de seguros, designadamente por motivos que lhes possam ser alheios, com impacto imediato na renovação dos contratos.

A)    Regime excecional de pagamento do prémio de seguro

O regime temporário introduz um desvio à regra do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 Abril) segunda a qual o início ou a renovação da cobertura de um risco deve ser precedida do pagamento do respetivo prémio, passando a admitir desvios mediante acordo das partes.

As partes de um contato de seguro podem passar a convencionar:
(i) o pagamento do prémio em data posterior à do início da cobertura dos riscos;
(ii) o afastamento da resolução automática ou da não prorrogação em caso de falta de pagamento;
(iii) o fracionamento do prémio;
(iv) a prorrogação da validade do contrato de seguro;
(v) a suspensão temporária do pagamento do prémio; e
(vi) a redução temporária do montante do prémio em função da redução temporária do risco.

Como resulta da Nota Informativa da ASF de 12 de maio de 2020, "alguns seguros estão excecionados desta medida por já ser possível a estipulação de condições contratuais diversas, caso dos seguros de vida e dos seguros de cobertura de grandes riscos ou então porque correspondem a seguros muito específicos aos quais não é possível a aplicação das regras comuns (caso do seguro de colheitas e pecuário e dos seguros mútuos pagos com o produto das receitas)."

Na ausência de acordo entre as partes, perante a falta de pagamento do prémio ou fração na data do vencimento respetiva, no caso de seguro obrigatório, prevê-se que o contrato seja automaticamente prorrogado por um período de 60 dias, a contar da data do vencimento do prémio ou da fração devida, mantendo-se, assim, a respetiva cobertura. Esta prorrogação deverá ser refletida no respetivo certificado de vigência do seguro, quando este seja exigível.

A seguradora tem o dever de informar o tomador do seguro da referida prorrogação automática do contrato de seguro com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data de vencimento do prémio, por forma a permitir que o tomador de seguro se oponha à manutenção da cobertura até à referida data de vencimento.

A prorrogação automática do contrato de seguro por um período de 60 dias não exonera o tomador de seguro de efetuar o pagamento do prémio correspondente ao período em que o contrato tenha vigorado.

O novo regime permite ainda que, existindo algum montante em dívida decorrente da referida prorrogação automática do contrato de seguro, este possa ser deduzido de qualquer prestação pecuniária devida pelo segurador ao tomador do seguro, designadamente por ocorrência de sinistro no período em que o contrato tenha vigorado.

B)    Regime excecional aplicável em caso de redução significativa ou suspensão de atividade

Nos contratos de seguro em que se verifique uma redução significativa ou mesmo a eliminação do risco coberto, em decorrência direta ou indireta das medidas legais de resposta à pandemia, o regime temporário estabelece o direito de os tomadores de seguros requererem:
(i) o reflexo dessas circunstâncias no prémio; ou,
(ii) o fracionamento do prémio.

Concretizando, o regime aplica-se aos tomadores de seguros:
(i) que desenvolvem atividades que se encontrem suspensas;
(ii) cujos respetivos estabelecimentos/instalações ainda se encontrem encerrados por força das medidas excecionais e temporárias adotadas em resposta à pandemia;
(iii) cujas respetivas atividades se reduziram substancialmente em função do impacto direto ou indireto das referidas medidas excecionais e temporárias adotadas em resposta à atual crise pandémica.

Existe uma redução substancial da atividade quando o tomador de seguro esteja em situação de crise empresarial, incluindo quando registe uma quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da faturação, muito embora não se esclareça por referência a que período deve ser verificada tal quebra.

Esta medida abrange seguros que cubram riscos da atividade afetada, podendo estar em causa, seguros de responsabilidade civil profissional, seguros de responsabilidade civil geral, seguros de acidentes de trabalho, seguros de acidentes pessoais, seguros desportivos obrigatórios, seguros de assistência, entre outros.

Nos casos em que o prémio tenha sido integralmente pago no início da anuidade, o montante da diminuição do prémio deverá ser deduzido ao montante devido na anuidade seguinte ou, caso o contrato de seguro não seja prorrogado, através de estorno no prazo de 10 dias úteis anteriores à respetiva cessação, salvo estipulação diversa acordada entre segurador e tomador do seguro.

Este regime excecional prevê expressamente a exclusão da sua aplicação aos seguros de grandes riscos, que abrangem determinados ramos e atividades, tais como navegação e transporte marítimo e aéreo e empresas acima de certa dimensão, entre outros*.

O facto deste regime excecional ser dirigido a empresas, não significa que os particulares e as respetivas seguradoras não possam, igualmente, acordar uma redução dos prémios de contratos de seguros que se encontrem em vigor ao abrigo do princípio da autonomia da vontade das partes. Este fenómeno já se vem verificando, designadamente quanto aos seguros de responsabilidade civil automóvel.

C)    Formalização das alterações contratuais

As alterações contratuais resultantes deste regime excecional deverão ser reduzidas a escrito em ata adicional ou em condição particular, a remeter pelo segurador ao tomador do seguro no prazo de 10 dias úteis após a data da convenção ou do exercício do direito pelo tomador do seguro.

D)    Supervisão, regulamentação e regime sancionatório

O incumprimento dos deveres previstos neste novo regime ou em posteriores regulamentações emitidas pela ASF sobre a sua aplicação é punível como contra-ordenação ao abrigo do Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora (aprovado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro).

Este regime sancionatório não parece totalmente viável, uma vez que as contra-ordenações fixadas no Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora estão previstas para o caso de ocorrência de violações de deveres previstos neste mesmo regime. Assim, ao abrigo do princípio da legalidade, o novo DL devia prever especificamente quais os comportamentos das seguradoras suscetíveis de constituir contra-ordenação e a medida destas e das respetivas coimas aplicáveis.


*Artigo 5.º, n.º 2 do Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora constante do Decreto-Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro.

Autores

Retrato deCristina Rogado
Cristina Rogado
Associada Sénior
Lisbon
Retrato deMaria Campilho
maria campilho
Retrato deFrancisco Velosa da Silva
Francisco Velosa da Silva
Associado
Lisbon