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Discriminação salarial no radar da ACT

Artigo de Opinião

16/11/2018

Discriminação salarial de género no radar da ACT
Human | 15-11-2018

Discriminação salarial de género no radar da ACT 
 
Susana Afonso 
Sócia/ Partner da CMS Rui Pena & Arnaut susana.afonso@cms-rpa.com 
 
Em pleno verão (21 de agosto), sem grande alarido, foi publicada uma lei que aprova medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor. Em jeito de resumo, alteraram-se algumas regras do Código do Trabalho e do seu Regulamento, conferem--se novos poderes à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) e densifica-se a informação estatística desta matéria a constar no relatório anual sobre a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.  
 
Todas estas novas medidas entrarão em vigor em fevereiro do próximo ano, mas é neste final de ano, em altura de aprovação de orçamentos e definição de aumentos salariais, que há que começar a olhar para o que muda, pois, colhendo inspiração popular, mais vale prevenir do que remediar, e neste caso o remediar pode sair caro e ter consequências sociais, em particular no ambiente de trabalho, difíceis de reparar. Em primeiro lugar, há que assumir o problema: efetivamente, os dados estatísticos do Eurostat comprovam que Portugal, à semelhança dos restantes países de União Europeia, tem índices remuneratórios diferentes em função do sexo, mas o pior é que estes mesmos dados estatísticos comprovam que Portugal está em rota invertida face aos seus congéneres europeus. Em Portugal, creio que por consequência de mais um fenómeno da crise económica, as diferenças salariais em função do sexo acentuaram--se em 2016, quando os homens ganhavam mais 17,5% do que as mulheres. 
 
O Governo decidiu adotar medidas legislativas para dirimir estas discrepâncias com vista a assegurar em cada empresa uma política remuneratória transparente, assente na avaliação das componentes das funções desempenhadas pelos trabalhadores, em critérios objetivos, comuns a homens e mulheres, nomeadamente mérito, produtividade, assiduidade ou antiguidade. A Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) foi atribuída competência para emitir pareceres sobre a existência de diferenças remuneratórias em razão do sexo. Nestes casos, o empregador será notificado para apresentar um plano de avaliação das diferenças salariais que deverá ser implementado durante 12 meses e deverá assentar na avaliação das componentes das funções e em critérios objetivos, de forma a excluir qualquer possibilidade de discriminação em razão do sexo. 
 
Findos os 12 meses, o empregador terá de comunicar à ACT os resultados da implementação do plano, demonstrando as diferenças remuneratórias justificadas e a correção das diferenças não justificadas, sendo que sobre estas últimas recai uma presunção de práticas discriminatórias. Trata--se de uma medida que até 2022 é apenas aplicável a empresas com 250 ou mais trabalhadores, mas abrangerá, por essa ocasião, todo o universo de empresas. À CITE foram conferidos poderes para, a requerimento de qualquer trabalhador ou representante sindical, analisar e emitir parecer sobre a existência de uma prática que agora é definida como «discriminação remuneratória em razão do sexo». Nestes casos, o empregador tem 30 dias para sepronunciaredisponibi-lizar a informação sobre: (i) a política remuneratória e (ii) os critérios utlizados para o cálculo da remuneração do trabalhador requerente e dos trabalhadores do sexo oposto em relação a quem o requerente se considera discriminado. Se a CITE concluir pela existência de prática discriminatória, a empresa terá de justificar os indícios detetados e comunicar quais as medidas adotadas para regularizar os casos de discriminação remuneratória detetados, no prazo de 180 dias.  
 
As diferenças remuneratórias não justificadas presumir-se-ão discriminatórias, e atenção que o parecer final da CITE é vinculativo! Assim, concluindo-se pela existência de prática discriminatória em razão do sexo, a CITE notifica a ACT para instaurar processo de contraordenação (muito grave) à empresa. Ao trabalhador, por seu turno, é conferida proteção no emprego, presumindo-se abusivo o despedimento ou outra sanção aplicada alegadamente para punir uma infração laboral, quando tenha lugar até um ano após o pedido de parecer à CITE. Embora reconheça que devem ser adotadas medidas para dirimir estas discrepâncias salariais, tenho grandes reservas quanto a este método impositivo e o seu verdadeiro alcance. Em primeiro lugar, não entendo (e lamento) por que se protege especialmente a discriminação salarial em função do sexo e se deixa de fora outras origens de discriminação.  
 
Há muitas formas de discriminação, em particular em função da raça, das ideologias, da religião, ou até tão mais simples como seja em função do local de trabalho. Por que razão estas discriminações permanecem desprotegidas ou menos relevantes? Em segundo lugar, este nível de proteção sustentada em conceitos altamente subjetivos, como seja a «transparência remuneratória», conduz, na prática, à utilização perniciosa e até abusiva destes direitos. Não é exclusivamente ao poder judicial que cabe aferir a verdade material dos factos? Ainda assim, as novas regras estão aí, e por isso as empresas têm mais um novo repto. À luz destas novas regras, há que olhar atentamente para as políticas salariais, há que revisitar o tema das avaliações anuais e a definição dos objetivos. É que fevereiro está à porta e a transparência impõe-se!

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