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Sim, “é melhor declarar o cartão Revolut” no IRS

Observador

22/4/2019

Fiscalistas aconselham: é melhor não facilitar, e não arriscar vir a ser notificado de coima. Já esta sexta-feira, fisco diz que "nos próximos dias haverá um esclarecimento cabal" aos contribuintes.

O alerta surgiu na noite de 3 de abril, por via de uma notícia de jornal, numa altura em que mais de meio milhão de pessoas já tinha entregue a declaração de IRS. Quem tiver contas em fintech, as startups que desafiam os bancos tradicionais, tem de declarar essas contas — mesmo que não tenha lá recebido qualquer juro ou, até, que não tenha lá qualquer saldo — na declaração anual de impostos.

Ora, só a Revolut, uma das fintechs mais bem sucedidas em Portugal e a nível global, tem no país mais de 125 mil utilizadores. Aqueles que já entregaram o IRS devem levar o alerta a sério? A recomendação dos fiscalistas ouvidos pelo Observador é unânime: é melhor fazer, mesmo, a entrega de declaração de substituição — algo que pode ser feito sem custos até 30 de junho (mas que pode implicar que o reembolso do IRS possa chegar mais tarde).

Já esta sexta-feira, porém, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, garantiu em declarações ao jornal Eco que “nos próximos dias um esclarecimento cabal aos contribuintes”. “O tema é muito pertinente na forma como é colocado. A nossa obrigação é, também, ir ao encontro daquilo que é a evolução das formas como a sociedade se vai organizando. Portanto, nós vamos analisar este caso em concreto que foi levantado para dar nos próximos dias um esclarecimento cabal aos contribuintes”, afirma o responsável.

António Mendonça Mendes garante que quem já entregou a declaração não sairá prejudicado “por algo que não estavam à espera”. Devem, assim, esperar por esse esclarecimento para saber se têm de alterar a declaração. Quem ainda não entregou, e tem conta nesses bancos digitais, pode fazer sentido esperar mais uns dias.

O que a legislação prevê, explicou um dos fiscalistas ouvidos pelo Observador, é que, em termos simples, qualquer conta bancária que o cidadão tenha fora de Portugal tem de ser declarada. Mas “o entendimento que existia é que essas contas não tinham identificação bancárias””, explica Ana Duarte, especialista em impostos sobre pessoas singulares da PwC. “O que foi, agora, comunicado pela Autoridade Tributária (AT) é que essas contas, por terem um IBAN, têm de ser declaradas como qualquer outra conta — e, caso a pessoa não declarar, fica sujeita às coimas previstas”.

Raquel Montes Fernandes, especialista em direito fiscal da CMS Rui Pena & Arnaut, explica que “embora do ponto de vista fiscal não esteja totalmente claro que as contas na Revolut sejam contas-depósito, são contas pré-carregadas com fundos existentes em instituições financeiras que, depois, são controlados direta ou indiretamente” pelo utilizador. Ou seja, como explica Diogo Mafra, especialista em direito bancário e financeiro da mesma sociedade de advogados, fazer um “top up” no Revolut não é o mesmo que, por exemplo, carregar a conta na App Store ou iTunes da Apple com créditos — porque, na App Store, esses fundos só podem ser utilizados naquele local (por exemplo, na compra de jogos ou música) ao passo que aquilo que é carregado no Revolut ou em outras fintech, como a N26, pode ser utilizado no pagamento de vários produtos ou serviços em qualquer lado.

Diogo Mafra explica que este é um fator que “aproxima a Revolut de um banco”, mesmo que a fintech ainda não esteja a operar como um banco e só há poucos meses tenha obtido uma licença bancária num país da União Europeia (Lituânia). Para já, quem faz um carregamento de fundos para o Revolut não está a abrir uma conta no estrangeiro mas, na prática, está a colocar no estrangeiro (em contas da Revolut em bancos internacionais) fundos que pode “controlar direta ou indiretamente” — e é isso que faz a diferença, a julgar pelo comunicado da AT.

É por esta razão que estes especialistas defendem que, para não arriscar vir a receber uma notificação da AT — algo que “não se pode excluir que venha a acontecer” –, o melhor é entregar uma nova declaração de IRS, uma ação que pode ser tomada até 30 de junho, sem custos, mesmo que a que foi entregue já tenha sido validada. “Sugeria que as pessoas que já tenham entregue a declaração de IRS que voltem a fazê-lo dentro do prazo que está a decorrer, já que até 30 de junho não há qualquer consequência e ficam com a situação regularizada”, recomenda Ana Duarte.

Para o fazer, o contribuinte deve, na nova declaração, carregar o anexo J e, se a questão for apenas declarar a existência da conta, preencher o quadro 11, onde indica o IBAN e o código BIC — que são facilmente encontrados na página do Revolut, entrando no perfil de cada utilizador individual. Numa tentativa feita pelo Observador, constatou-se, porém, que, mesmo que não se coloquem quaisquer valores de rendimento dessas contas (ou seja, mantendo tudo a zero nos outros quadros além do 11), deixa de ser possível fazer a simulação preliminar que os contribuintes estão habituados a fazer, porque passa a ser preciso conferir se houve “rendimentos no estrangeiro”.

Que coimas podem ser aplicadas?

Para quem tem mais pressa em receber o reembolso do IRS, isso pode significar um atraso no reembolso? Pode, dizem os especialistas, mas evita-se o risco de que essa notificação venha mesmo a surgir, e aí, no mínimo, o cidadão terá ainda mais trabalho a responder — e estão previstas coimas para estes cenários. Não existe uma coima definida especificamente para este caso, mas qualquer inexatidão na declaração de IRS pode levar a coimas mínimas de 375 euros (e máximas de 22.500 euros).

Mesmo que seja aplicada a coima mínima, há a possibilidade de o valor ser ainda mais baixo porque se tratou de uma irregularidade apenas “declarativa” (não tendo implicações para as contas dos impostos devidos), explica Raquel Montes Fernandes. E, depois, se a situação for corrigida voluntariamente, dependendo do momento em que isso é feito, pode-se baixar mais o valor, sobretudo havendo prova de que não foi uma falha culposa ou deliberada.

Mas há outra consequência possível, explica Raquel Montes Fernandes, a deteção de uma irregularidade deste género “eleva para 12 anos o prazo de caducidade, isto é, o direito da AT à liquidação adicional de imposto sobre factos tributários conexos com essas contas”. O que é que isto significa? Que se o sujeito passivo vier a ser alvo de uma auditoria, por alguma razão, e se for detetada esta irregularidade a AT tem direito a liquidar adicionalmente imposto referente aos 12 anos anteriores (ao passo que a lei prevê que, em casos normais, o prazo de caducidade seja apenas de quatro anos.

Para evitar todos estes trabalhos, “mesmo quem já entregou o IRS, recomenda-se que efetivamente entregue a declaração de substituição para reportar essas contas”, afirmam os especialistas ouvidos pelo Observador. Ana Duarte, da consultora PwC, lembra que “hoje em dia há vários mecanismos de troca de informação entre países”, pelo que a divergência pode, com algum grau de probabilidade, ser detetada.

Uma alternativa para quem quiser garantir o reembolso do IRS o mais rapidamente possível, ao risco de cada um, pode passar por esperar que esse reembolso seja feito e só depois fazer a correção, desde que seja antes de 30 de junho — isso desencadearia um processo de revisão da nota de liquidação que, em circunstâncias normais, não levaria à retificação do valor já devolvido ao contribuinte (ou pago por este).

Fonte
Sim, “é melhor declarar o cartão Revolut” no IRS, dizem fiscalistas....
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