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Concorrência: Nova Lei abre a porta a dose dupla de sanções às empresas

Entrevista Luis Romão ao Jornal de Negócios

3/5/2018

Entrevista | Luís Miguel Romão, sócio da CMS-RPA
Jornal de Negócios | 03-05-2018

LUÍS MIGUEL ROMÃO SÓCIO DA CMS-RPA 
Concorrência: nova lei abre porta a dose dupla de sanções às empresas 
 
Além de estarem já sujeitas às coimas da Autoridade da Concorrência, agora com as acções de responsabilidade civil, as empresas podem ainda ter de pagar indemnização de quem se sinta lesado, diz Luís Miguel Romão, sócio da CMS-RPA. 
 
JOÃO MALTEZ 
jmaltez@negocios.pt 
 
O diploma que transpõe para a lei portuguesa a directiva europeia “private enforcement”, que vem regular as chamadas acções de responsabilidade civil no âmbito da violação das regras do Direito da Concorrência já chegou às mãos do Presidente da República para ser promulgado. O advogado Luís Miguel Romão, especialista nesta área, explica quais são as principais mudanças que aí vêm. Segundo este sócio da CMS-RPA, a entrada em vigor desta lei vem obrigar ao reforço das práticas preventivas das empresas. E há razões para isso, porque se infringirem as regras da concorrência sujeitam-se às coimas da autoridade pública e ainda a pedidos de indemnização de quem se sinta lesado. 
 
- Que alterações de fundo vão ocorrer com a lei que adopta a directiva europeia sobre acções de responsabilidade civil? 
 
Esta directiva vem regular as chamadas acções de responsabilidade civil. São acções que visam, no fundo, a atribuição de indemnizações a quem for lesado pela violação do Direito da Concorrência. 
 
- Até aqui, quem se sentisse lesado o que é que podia fazer? 
 
Normalmente era apresentada uma queixa junto da Autoridade da Concorrência (AdC) e esperava-se que esta investigasse a prática considerada lesiva. Além disso, já existia a possibilidade de recorrer aos tribunais e pedir uma indemnização, mas esta hipótese tem sido pouco utilizada. 
 
- Um dos problemas detectados anteriormente prende-se com os prazos de prescrição das acções. O que prevê a nova lei neste âmbito? 
 
O prazo de prescrição era de três anos e passa a ser de cinco. Mais: os prazos são suspensos quando estão a correr acções na Autoridade da Concorrência. Há aqui algumas especificidades no sentido de tentar abranger mais a possibilidade de serem trazidas novas acções de responsabilidade civil, que é isso, no fundo, o que a directiva quer. Nos Estado Unidos, por exemplo, já há muito que esse recurso é bastante incentivado. 
Nos Estados Unidos recorre--se muito a essa possibilidade? 
 
- Há de facto muitas acções de responsabilidade civil, que resultam de as empresas serem responsabilizadas por particulares, por concorrentes, por fornecedores ou por clientes pelas infracções que cometem. As empresas acabam por ver a sua infracção sancionada duplamente. Por um lado, pelas autoridades de concorrência, com a aplicação de uma coima ou até a proibição de certas condutas. 
 
- É essa realidade que Bruxelas quer ver na União Europeia? 
 
De alguma forma a Comissão Europeia percebeu que na Europa, nem de perto nem de longe, havia a tendência que existe nos Estados Unidos. Só em quatro ou cinco países havia acções de responsabilidade civil por violação de deveres de concorrência. 
 
- Que países? 
 
Reino Unido, Alemanha, Holanda e, em muito pequena quantidade, Bélgica e Espanha. 
 
- Telecomunicações, combustíveis ou banca são áreas que suscitam junto da opinião pública, de forma justa ou injusta, mais interrogações quanto a possíveis práticas que podem ferir regras da concorrência. Faz sentido? 
 
São os sectores que normalmente também estão sob maior escrutínio da Autoridade da Concorrência, da própria Comissão Europeia e das autoridades nacionais de concorrência por essa Europa fora. É por isso natural que as autoridades acabem por tomar mais decisões sobre esses sectores. Aliás, uma das justificações para a existência da directiva prende-se com o facto de mesmo em relação às decisões que a Comissão adoptava de infracção às regras da concorrência, só menos de 25% dessas decisões acabavam na apresentação de acção de responsabilidade por parte dos lesados. 
 
- Além de querer que mais pessoas avancem com acções de responsabilidade civil, não existe também a ideia de promover uma atitude preventiva por parte das empresas? 
 
Também se pretende que as empresas não cometam as infracções, porque aquilo que são as sanções públicas e depois privadas são muito graves. As empresas sabem que podem ser duplamente penalizadas se infringirem as regras da concorrência: podem estar sujeitas às coimas das autoridades públicas e ainda aos pedidos de indemnização de quem se sinta lesado. 
 
- A lei prevê montantes de indemnização? 
 
O que se prevê é que tem de haver indemnização por todos os danos que possam ter sido sofridos, sejam danos emergentes, ou sofridos directamente; sejam lucros cessantes, aquilo que se deixou de ganhar por força da infracção; e ainda os juros. O que a directiva e a lei portuguesa dizem é que o lesado deve ser indemnizado pela integralidade dos seus danos.  
 
 
"AdC voltou ao que era nos seus primórdios" 
 
A Autoridade da Concorrência (AdC) completa em 2018 os 15 anos da sua existência. Para Luís Miguel Romão, advogado especialista nesta área, depois do esforço que foi feito para "colocar a con-corrência no mapa", aquela entidade "está hoje no bom caminho". 
 
- A AdC está a completar 15 anos de existência. Como vê o trabalho desenvolvido por esta autoridade desde então? 
 
Como qualquer outra entidade, diria que passou por algumas dores de crescimento. Numa primeira fase, houve a tentativa de promover uma certa cultura de concorrência e também de dar visibilidade à actividade desenvolvida Nos primórdios da criação da AdC, foi feita uma enorme aposta no sentido de colocar a concorrência no mapa. E verdade que também houve uma tentativa de ver qual o limite a que podeii a chegar em termos de competências. 
 
- Essa tentativa traduziu-se em quê? 
 
Nem sempre correu bem. Inicialmente, durante alguns anos, a AdC viu algumas das suas decisões anuladas pelos tribunais. 
 
- Hoje em dia a realidade já é outra? 
 
A seguir a esse momento houve uni período de maior acalmia. Tentou consolidar-se o trabalho já feito. Tentou arrumar-se a casa. Mas isso teve como consequência o outro lado em termos de execução e daquilo que foram os processos apresentados e das decisões adoptadas. 
 
- Houve uma redução da actividade? 
 
Houve uma diminuição significativa. Tentou arrumar-se a casa. Tentou até pegar-se em todos os processos que estavam pendentes, ver o que tinha ou não possibilidade de avançai- e arquivar todos os restantes. Obviamente isso também consumiu tempo e recursos, com meios ainda mais limitados do que actualmente. Isso acabou por se reflectir numa redução do número de processos e das decisões de infracção. 
 
- A ideia que existe é de que, hoje em dia, a AdC está bastante mais activa... 
 
Parece-me que a autoridade voltou outra vez um bocadinho àquilo que era nos seus primórdios. Depois, recrutou novos directores, o que se reflectiu não só na quantidade, como na qualidade do trabalho feito. Até 2017, a AdC fazia uma média de dois a três raides por ano às empresas. No ano passado, fez 16, Estamos a falar de quintuplicar aquilo que era a média nos anos anteriores. Penso que a AdC está hoje no bom caminho.

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