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Já há robôs a “assessorar” os advogados

Entrevista

23/11/2018

Já há robôs a “assessorar” os advogados
Jornal de Negócios | 08-11-2018
Já há robôs a “assessorar” os advogados 
 
A área de direito contencioso e arbitragem da CMS-RPA conta desde o início desta semana com dois reforços na sua estrutura de sócios: Miguel Esperança Pina e Rita Gouveia
 
JOÃO MALTEZ 
jmaltez@negocios.pt 
 
Recurso à inteligência artificial, financiamento de litígios por entidades privadas ou adaptação de técnicas jurídicas tradicionais a problemas de grande complexidade. Se um dos desafios da advocacia é inovar, a resposta pode passar por aqui. Quem defende estas ideias? Nuno Pena, Joaquim Sherman de Macedo e os recém-chegados à CMS-RPA Miguel Esperança Pina e Rita Gouveia, os quatro sócios que, desde o início desta semana, lideram a equipa de Direito Contencioso e Arbitragem daquele escritório. 
 
“A inteligência artificial é um desafio para as sociedades de advogados. É uma matéria em que temos de estar de mente aberta e preparados para a mudança. Os advogados não vão ser substituídos por robôs, mas há robôs que podem ‘assessorar’ o trabalho que nós fazemos”, explica Rita Gouveia ao Negócios. Joaquim Sherman de Macedo adianta que esta é, já hoje, uma realidade com que convive na sociedade em que trabalha, com um programa chamado Kira – tecnologia assente em “machine learning” –, que algumas sociedades de advogados portuguesas já utilizam e que a própria CMS também adoptou. 
 
É um programa que, diz Nuno Pena, “está ainda a ser ‘ensinado’”, mas a que já foi dado uso. Foi o caso da compra pela HP do negócio de impressoras da Samsung, que teve a participação do escritório de Lisboa, em que o “robô” analisou ao pormenor 2.500 contratos de diversas jurisdições. “Não foi mera procura de documentos. Foi mesmo a análise jurídica, embora naturalmente sujeita a validação por seres humanos. No fim do dia, a responsabilidade é nossa, mas não deixa de ser interessante para onde as coisas estão a caminhar”, sublinha o advogado Nuno Pena. 
 
Técnicas e figuras jurídicas 
 
Miguel Esperança Pina, que com Rita Correia saiu da Cuatrecasas para a CMS -RPA, afirma que a aposta na inovação ao nível da prestação de serviços jurídicos na sua área de prática foi uma das razões para integrar um novo projecto de advocacia. Os casos com que uma equipa de contencioso e arbitragem tem de lidar são, por norma, complexos. Muitas vezes, as tradicionais figuras jurídicas não conseguem captar as novas realidades que estas situações encerram. “Nesses casos, como advogados e como árbitros, dentro das regras e técnicas jurídicas, temos de inovar”, evidencia Miguel Esperança Pina. Mas como? Neste âmbito, há uma figura usual da técnica jurídica que é a analogia. “Na prática, vamos buscar casos similares que, com as necessárias adequações, aplicamos às novas realidades”, evidencia . 
 
Terceiros querem financiar 
 
Mesmo no que ao negócio associado ao contencioso e arbitragem diz respeito, também é possível inovar. O financiamento de litígios por terceiros – “third party funding ” – é disso exemplo. Rita Gouveia esclarece que esta “é uma realidade relativamente recente no nosso país” e permite abarcar “processos que, de outra forma, provavelmente não chegariam nem aos tribunais estaduais, nem aos tribunais arbitrais”. Antes de decidir se avança, a entidade financiadora começa por pedir o parecer de advogados sobre a possibilidade de êxito junto dos tribunais do caso que poderá apoiar. E quem financia? De momento, organizações estrangeiras, que vêem oportunidades no mercado português. Segundo Joaquim Sherman de Macedo, são entidades que estão já a procurar sociedades de advogados, nomeadamente escritórios com experiência de litígios de matriz anglosaxónica, em que o “third party funding” se tornou corriqueiro. 
 
Para Miguel Esperança Pina, esta nova possibilidade “desfaz um pouco a ideia preconcebida de que a justiça e, em particular, a arbitragem são só para ricos”, já que esta forma de financiamento “passa a estar acessível a todos”. Isto, desde que o caso seja credível, o que implica que a razão esteja do lado de quem procura apoio, já que quem investe tem a expectativa de um retorno financeiro. São dois nomes de peso do contencioso e da arbitragem na advocacia portuguesa, áreas a que se decidam há pelo menos duas décadas. Miguel Esperança Pina e Rita Gouveia trocaram a Cuatrecasas, onde já eram sócios, pela CMS-RPA, onde chegaram no início desta semana e onde mantêm o mesmo estatuto. O que os levou a abraçar um novo projecto? 
 
“O que nos entusiasmou foi a possibilidade de criar aquilo que entre nós já designámos como uma ‘boutique’ de resolução de litígios. Estamos a falar de casos de muita complexidade e que obrigam, por isso, a uma grande dedicação. Até porque os clientes exigem, cada vez mais, um acompanhamento efectivo por parte das equipas e uma disponibilidade total por parte dos sócios no acompanhamento desses litígios”, enfatiza Rita Gouveia. A possibilidade de participar na resolução de litígios plurilocalizados e multijurisdicionais foi outro dos aspectos que pesou na decisão da transferência de sociedade, tal como enfatiza Miguel Esperança Pina. “Em termos globais, no que à arbitragem internacional diz respeito, a mais forte é de matriz anglo-saxónica e esta sociedade permite-nos aceder a essa matriz, o que não acontecia anteriormente”, explica. 
 
Nuno Pena, que com Joaquim Sherman de Macedo e Lopo Cancella de Abreu, completa o quinteto de sócios da equipa de contencioso e arbi- tragem da CMS -RPA, “o trabalho pormenorizado e o nível de exigência dos clientes” nesta área de prática foram determinantes para o convite endereçado a Miguel Esperança Pina e a Rita Gouveia. Até porque a aposta, adianta, passa pelo envolvimento dos sócios na prestação de serviços jurídicos “com um grande nível de intensidade”. Afiançam que não optam por um tribunal arbitral ou por tribunais comuns porque gostam mais de uns do que de outros. Mas na altura de decidir onde dirimir um conflito, o que leva um advogado ou os seus clientes a fazer uma determinada escolha? 
 
“O caso concreto é que dita o rumo a seguir. Somos tão adeptos de uma via quanto de outra. Temos experiência na arbitragem, mas também nos litígios comuns. Não pomos de parte, nem podemos pôr, os tribunais estaduais”, evidencia Miguel Esperança Pina, um dos sócios da equipa de contencioso e arbitragem da CMS -RPA. Partir para uma arbitragem implica, por norma, que exista uma cláusula compromissória prévia no contrato assinado entre as partes. “Se assim não for, em princípio estamos limitados aos meios jurisdicionais que o Estado nos disponibiliza, que são os tribunais”, explica por seu turno Joaquim Sherman de Macedo. 
 
Morosidade e preço contam, dizem advogados 
 
Há contudo factores que estão a pesar quando é preciso decidir, sublinha ainda Joaquim Sherman de Macedo. “Fruto de uma demora relativamente generalizada da resolução dos litígios através dos meios judiciais, fenómeno que já tem muitos anos em Portugal, existe uma preocupação das empresas e dos particulares de acordar previa- mente cláusulas contratuais que permitam a resolução de litígios pela via arbitral”, sublinha, para adiantar que essa realidade “é agora muito mais frequente”. 
 
Além da demora na resolução dos casos, Rita Gouveia convoca também “a incerteza quanto ao que custa a justiça estadual, por oposição à justiça arbitral”. De acordo com esta advogada, num tribunal arbitral é possível dizer “com muito mais segurança a um cliente quais vão ser os custos associados a um determinado litígio, ao passo que nos tribunais estaduais, com o actual regime de custas existe uma enorme incerteza e insegurança”. Optar por um caminho ou outro, já se sabe, depende do tipo de litígio, enfatiza também Nuno Pena. De todo o modo, este sócio da CMS lembra que, “sem prejuízo de obedecer às regras processuais da arbitragem, as partes que estão no litígio têm espaço para as moldar ao funcionamento do tribunal arbitral”. Ou seja, as partes “podem adaptar o processo à necessidade de cada caso”.

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Jornal de Negocios_Entrevista Departamento de Contencioso
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